quinta-feira, 13 de maio de 2010

Capítulo V

18 minutos

As lembranças começavam a rodear a minha mente, cada dia de minha vida agora parecia estar me condenando e me levando cada vez mais perto do momento final, do último suspiro e da última gota de sangue.


Parecia um triste e solitário filme de tragédia. As cenas horripilantes e os sentimentos torturantes voltavam outra vez e me faziam reviver cada passo, cada acontecimento, até mesmo os de quando eu era pequeno demais para lembrar.


Ouvi novamente os gemidos de prazer fingido de minha mãe na cama com um estranho para ganhar um misero trocado, o suficiente para matar a minha fome. Ouvi seu choro após a porta se fechar e seu cliente sair satisfeito pela luxuria encontrada no corpo da jovem de 18 anos, surrada e ferida pelas violentas penetrações.


Eu vi a imagem do meu pai. Seus olhos possessos, seu corpo suado, suas mãos forçando minha mãe a ir para cama com ele. Sei que levando em consideração a ordem cronológica dos fatos seria impossível a mim ter visto essa cena, mas de alguma forma minha mente me levou ao início de tudo, à fonte de toda a desgraça que me acompanhou durante tantos anos.


As longas noites de álcool e drogas sem limites que vi a minha mãe passar. Nada era o suficiente para fazê-la esquecer da dor da vida que tinha, nem a constante eminencia de uma overdose, nem adormecer a beira de um coma alcóolico.


Senti novamente os toques de um dos clientes dela que durante certa noite me molestou.
Eu tinha cinco anos e estava dormindo quando acordei sentindo as mãos sujas daquele homem acariciando meu orgão, tocando em mim e se tocando.


Minha mãe estava bêbada, nem chegou a vê-lo me colocar em seu colo e tentar me tratar como se eu fosse também uma de suas meretrizes. A campainha tocou, outro cliente acabava de chegar e para minha sorte aquele som fez o homem desistir de suas intenções.


Eu me pergunto se alguma vez eu tive a oportunidade de escolher um caminho diferente. Uma chance de ousar viver algo que não fosse a violência e a privação que me cercaram cada dia de minha vida.


Talvez eu encontre essa resposta daqui a alguns minutos. Talvez só Deus possa me mostrar onde estavam as chances que eu não pude aproveitar. Ou talvez eu já tenha nascido destinado a total destruição.


O certo é que as imagens não paravam de aparecer em minha mente, ao mesmo tempo em que não me desligava da realidade a minha volta. Os sons de carro, os gritos de mulheres, as conversas desconexas e o despreso da multidão.


É impossível descrever o sentimento de impotência, de falta de fé e de total abandono que se apoderou de mim. Eu creio em um Deus, mas me sentia indgno de receber o seu socorro. Indigno até de clamar por ajuda.


Eu estava assim, preso a essa realidade e impossibilitado de fugir do meu passado, enquanto tentava encontrar forças para viver um pouco do meu futuro.


Não fazia diferença, a multidão continuava euforica na espectativa de me ver morrer ali mesmo e eu já estava começando a me acostumar com a ideia.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Capítulo IV

19 Minutos



Enquanto a minha irmã corria em busca de esperança, ou pelo menos de noticia, eu continuava a minha luta particular pelo ar, por mais um minuto que fosse, pela vida.
É muito dificil descrever o medo e a agonia que a cada segundo se apoderavam não só de minha mente, se refletindo em meu coração que batia cada vez mais rápido e descompassado, mas também dos meus membros contraídos e meus dentes cravados uns nos outros quase se quebrando.
Na plateia que de perto acompanhava o espetaculo macabro da minha agonia, muitos aplaudiam outros apenas vindo olhar o que estava acontecendo para matar a curiosidade e poder comentar na escola ou no trabalho que viu alguem morrendo no meio da rua imerso em uma poça de sangue.
A minha mente tentava de todas as formas encontrar algum consolo em esperar que alguem ali fosse se compadecer de mim e pedir socorro, alguem que demonstrasse mais humanidade do que eu estava acostumado a ver. Ninguém.
Minha morte parecia ser apenas mais uma entre tantas outras, um homem qualquer que havia encontrado seu fatídico fim em um domingo de verão.
Doi ainda mais saber que em quando eu tinha 12 anos era um desses que apenas assistem a morte. Ao voltar da escola me deparei com um homem que, da mesma forma que eu, havia sido baleado pela policia e se contorcia de dor, desesperado pela própria impotência e fadado a morrer ao vivo no jorna do estado.
Agora eu entendo o que aquele homem passou até o último instante de vida, até seu coração desistir de lutar bravamente e parar de bombear o sangue para fora do seu corpo moribundo e danificado permanentemente.
Quem eu poderia julgar agora por não me dar ajuda? Se eu mesmo quando tive a oportunidade apenas olhei, cuspi e segui meu caminha sem ao menos pedir a Deus pidade àquela alma sofredora, bandido ou não aquele ser humano naquele momento sentia dor e enfrentava seu destino final, mas eu não o ajudei.
Olhei levemente para o lado com o canto do olho e vi, um pouco fora de foco, mas nítido o suficiente para identificar o rosto de um garoto, doze anos, exatamente como eu que me olhava com uma expressão de desdém e crítica, me julgando sem saber que também iria ser julgado.
Meus ouvidos buscavam em meio aos ruídos algum sinal de esperança, talves o grito de alguém disposto a prestar socorro, talvez uma ambulância a caminho, talvez as trombetas dos anjos vindo me buscar finalmente, mas não ouvia nada além do murmurio complexo e inseparável das muitas vozes que falavam ao mesmo tempo sem a menor organização.
Algumas meninas aproveitavam a distração das mães para se juntarem em pequenos grupos e contarem umas as outras as ultimas experiências que haviam tido com o sexo oposto. Nada muito intenso, mas o suficiente para que elas jesticulassem intensamente e rissem alto mas sem conseguir tirar de mim a principal atração do local.
Risos, brincadeiras, fofocas, tudo o que ocorria ao meu redor aparentava muito mais um circo ou um show em meio a praça, uma feira livre talvez, mas nunca, nunca alguém em sã consciência ao olhar aquela alegria, aquela euforia diria que a maior atração daquele dia era a morte de um ser humano.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Capítulo III

20 Minutos


A morte não foi feita para ser conhecida. Saber quanto tempo lhe resta deixa qualquer homem, mesmo o mais corajoso, em completo desespero. E eu que com o sangue enchendo minha garganta não podia gritar ou pedir ajuda, pedi a alguém que pelo amor de Deus me salvasse, pois eu estava lá, condenado a sangrar por 20 minutos até toda a minha vida se esvair e restar apenas uma carcaça a ser destinada à podridão.
Os policiais me olhavam em um misto de nojo e pena. Alguns ensaiavam chutar meu corpo caído ou cuspir no moribundo.
Dizem que quando se está para morrer toda a vida passa diante de seus olhos, tudo o que você fez, tudo o que te levou a aquele momento de definição e que muitas vezes poderia ter sido evitado, o momento com certeza chegaria, mas não necessariamente naquele instante.
Não era dor o que eu sentia, mas um medo inexplicável do que se aproximava, de confrontar a morte ainda tão novo e não ter qualquer explicação para dar a Deus de porquê me encontrava naquela situação. O mais irônico é que a minha irmã teria que me enterrar, mesmo ela estando ainda a lutar pela própria vida.
Comecei a lembrar de minhas intenções desde pequeno, de como nutri um ódio mortal pelos homens que levavam minha mãe para a cama por míseros trocados. Lembrei dela orando em seus minutos finais, vivendo o mesmo desespero que agora eu vivia e simplesmente estava fadado a pensar. Fadado ao silêncio.
Minha garganta começava a ficar tapada, o ar quase não chegava aos pulmões. Eu sabia que estava chegando o momento e até ali ninguém havia tido a preocupação de ligar para pedir uma ambulância ou qualquer que fosse o socorro.
Será que o fato de eu ser um marginal, alguém que quebrava a lei ou até alguém que levava em suas mãos a destruição de muitas famílias, fazia minha agonia ser menor? Será que minha dor era menos intensa por causa dos meus crimes?
Não sei o que dizer, mas a lógica se perde entre a crueldade de quem parece estar anestesiado pela falsa moral que a sociedade impõe como verdade absoluta e inquestionável. O fato é que eu estava ali, sangrando e condenado a uma morte lenta e dolorida em um lugar onde os meus últimos minutos se tornavam um espetáculo para um público pouco interessado pelos meus sentimentos.
Respirar ficava cada vez mais difícil, o frio que me tomava fazia com que eu esperasse cada mais ansioso um milagre salvador, eu não sabia por quanto tempo conseguiria aspirar o oxigênio tão abundante em outras ocasiões e agora, tão raro.
Acontece que por mais que a situação estivesse desesperadora, pelo menos para mim, muita coisa ainda havia de acontecer.
Enquanto cada gota de meu sangue me abandonava ou obstruía a passagem de ar para os meus pulmões, a notícia do ocorrido chagava a minha casa, mais precisamente aos ouvidos da minha irmã que se desesperou e em um súbito ato de insanidade temporária, saiu correndo, liquidando quase que totalmente o que ainda lhe restava de energia na esperança de conseguir fazer algo pelo único irmão que ela possuía.
Os passos trêmulos daquela mulher enferma e desgastada pelo sofrimento a levaram tropegamente rua após rua, enquanto as lágrimas escorriam pelo rosto molhando os lábios pálidos e frios. A dor que ela sentia desapareceu por um breve momento, o medo de morrer ficou apagado e o leve murmúrio que emergia da boca ofegante não era mais de um sofrimento próprio e intransferível. O motivo de tanto sacrifício era eu.
Porém, mesmo com tanto esforço e diante de uma inquestionável declaração de amor como essa, a única pessoa que parecia se importar com a minha morte estava muito longe para conseguir chegar rápido, simplesmente correndo. Muito embora a distância física que nos separava fosse tão pequena quando munido de um transporte mais veloz do que os passos de quem ama ao ponto de arriscar o pouco de vida que ainda lhe resta para tentar salvar quem está condenado a agonizar jogado no asfalto quente.