terça-feira, 4 de maio de 2010

Capítulo III

20 Minutos


A morte não foi feita para ser conhecida. Saber quanto tempo lhe resta deixa qualquer homem, mesmo o mais corajoso, em completo desespero. E eu que com o sangue enchendo minha garganta não podia gritar ou pedir ajuda, pedi a alguém que pelo amor de Deus me salvasse, pois eu estava lá, condenado a sangrar por 20 minutos até toda a minha vida se esvair e restar apenas uma carcaça a ser destinada à podridão.
Os policiais me olhavam em um misto de nojo e pena. Alguns ensaiavam chutar meu corpo caído ou cuspir no moribundo.
Dizem que quando se está para morrer toda a vida passa diante de seus olhos, tudo o que você fez, tudo o que te levou a aquele momento de definição e que muitas vezes poderia ter sido evitado, o momento com certeza chegaria, mas não necessariamente naquele instante.
Não era dor o que eu sentia, mas um medo inexplicável do que se aproximava, de confrontar a morte ainda tão novo e não ter qualquer explicação para dar a Deus de porquê me encontrava naquela situação. O mais irônico é que a minha irmã teria que me enterrar, mesmo ela estando ainda a lutar pela própria vida.
Comecei a lembrar de minhas intenções desde pequeno, de como nutri um ódio mortal pelos homens que levavam minha mãe para a cama por míseros trocados. Lembrei dela orando em seus minutos finais, vivendo o mesmo desespero que agora eu vivia e simplesmente estava fadado a pensar. Fadado ao silêncio.
Minha garganta começava a ficar tapada, o ar quase não chegava aos pulmões. Eu sabia que estava chegando o momento e até ali ninguém havia tido a preocupação de ligar para pedir uma ambulância ou qualquer que fosse o socorro.
Será que o fato de eu ser um marginal, alguém que quebrava a lei ou até alguém que levava em suas mãos a destruição de muitas famílias, fazia minha agonia ser menor? Será que minha dor era menos intensa por causa dos meus crimes?
Não sei o que dizer, mas a lógica se perde entre a crueldade de quem parece estar anestesiado pela falsa moral que a sociedade impõe como verdade absoluta e inquestionável. O fato é que eu estava ali, sangrando e condenado a uma morte lenta e dolorida em um lugar onde os meus últimos minutos se tornavam um espetáculo para um público pouco interessado pelos meus sentimentos.
Respirar ficava cada vez mais difícil, o frio que me tomava fazia com que eu esperasse cada mais ansioso um milagre salvador, eu não sabia por quanto tempo conseguiria aspirar o oxigênio tão abundante em outras ocasiões e agora, tão raro.
Acontece que por mais que a situação estivesse desesperadora, pelo menos para mim, muita coisa ainda havia de acontecer.
Enquanto cada gota de meu sangue me abandonava ou obstruía a passagem de ar para os meus pulmões, a notícia do ocorrido chagava a minha casa, mais precisamente aos ouvidos da minha irmã que se desesperou e em um súbito ato de insanidade temporária, saiu correndo, liquidando quase que totalmente o que ainda lhe restava de energia na esperança de conseguir fazer algo pelo único irmão que ela possuía.
Os passos trêmulos daquela mulher enferma e desgastada pelo sofrimento a levaram tropegamente rua após rua, enquanto as lágrimas escorriam pelo rosto molhando os lábios pálidos e frios. A dor que ela sentia desapareceu por um breve momento, o medo de morrer ficou apagado e o leve murmúrio que emergia da boca ofegante não era mais de um sofrimento próprio e intransferível. O motivo de tanto sacrifício era eu.
Porém, mesmo com tanto esforço e diante de uma inquestionável declaração de amor como essa, a única pessoa que parecia se importar com a minha morte estava muito longe para conseguir chegar rápido, simplesmente correndo. Muito embora a distância física que nos separava fosse tão pequena quando munido de um transporte mais veloz do que os passos de quem ama ao ponto de arriscar o pouco de vida que ainda lhe resta para tentar salvar quem está condenado a agonizar jogado no asfalto quente.

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